quarta-feira, 26 de maio de 2010

Da Perniciosidade da Lei

À injustiça social

Não sendo já notícia para ninguém, não deixa, ainda assim, de ser motivo de capa de jornal, tema de abertura de telejornal, ou tão só assunto de conversa entre amigos.

Creio que pela evolução cultural da nossa sociedade nenhuma outra crise económica terá sido tão discutida e consciencializada como esta, vivida no dia a dia, quer sentindo os seus efeitos, quer através da apreciação dos diferentes comentários feitos sobre a sua origem e evolução.

Mas, tempos de dificuldades são também tempos de reflexão, como é costume dizer-se, dando oportunidade para se rever aquilo que entretanto se fizera.

Por isso, nestes dias em que a notícia é o corte de rendimentos, solução que apesar de lamentável parece ser já vista como inevitável perante o alarme da urgente necessidade da sua implementação, não passarão por referenciar leis e mais leis que ao longo destes anos de democracia foram sendo criadas para permitir a acumulação de cargos, assim como para permitir a acumulação de reformas por parte de alguns.

Claro que, à partida, teoricamente, nada nos leva a ser contra tais possibilidades. Contudo, a razoabilidade dessas soluções teria de passar sempre pelo crivo da análise dos seus resultados e, nessa medida, sempre que os mesmos fossem inaceitáveis não poderiam tais leis entrar em vigor.

De facto, nunca percebi como é possível que uma pessoa possa exercer simultaneamente, mais do que uma função a tempo inteiro e receber mais de uma remuneração, tal como se exercesse, efectivamente, dois ou três cargos, todos eles, a tempo inteiro.

Ora, será possível que uma pessoa possa dedicar todas as horas laborais diárias em mais do que um emprego?

Mesmo que me digam que poderá haver pessoas capazes de trabalhar dezasseis horas diárias dando oito horas a cada função, não creio que em tais circunstâncias, levando em conta a necessidade de descanso físico e mental que nos é dito ser necessário a cada trabalhador, seja possível um qualquer desempenho de qualidade e produtividade.

Aliás, tais cargos e funções são normalmente de remunerações elevadas, o que significa que os mesmos não exigirão apenas presença física num departamento durante algumas horas, mas sim mais do que isso. Presença dentro e fora e actividade, durante, antes e depois.

E, permitida que é essa acumulação, logo se adivinha o passo seguinte: a acumulação de reformas através de sistemas especiais dadas por vezes tendo em atenção pequenos períodos de descontos e de forma totalmente arbitrária pelos próprios beneficiários das mesmas.

Daí resultando que enquanto a larga maioria dos cidadãos precisa de uma carreira contributiva de uma vida para ter uma reforma de parte do ordenado que ganhava, outros conseguem fazer multiplicar as suas reformas, algumas delas, provenientes de desempenhos relativamente curtos, mais elevadas do que a recebida pelo desempenho da sua profissão na maior parte da sua vida activa.

Creio que tais leis permissivas desse tipo de acumulações, além de injustas e imorais, comportam ilegalidades a que nunca nenhum legislador ousou pôr termo apenas por no seu horizonte poder vir a beneficiar das mesmas.

Mas, são, certamente, más leis que numa situação cíclica como a actual deveriam ser revistas, alteradas e revogadas, por forma a evitar as gritantes desigualdades e injustiças por si criadas e mais sentidas, precisamente, nestas ocasiões.
Sem leis justas não pode haver sociedades justas.

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