quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O Contentamento


"Castro Daire contente"

Bem poderia ser um slogan a dar jeito político a muitos que elevados ao estatuto de líderes necessitam de águas pouco agitadas para não darem nas vistas quanto são maus nadadores.

De facto, bastou a Srª Ministra da Justiça vir dizer que o Tribunal de Castro Daire fica com um "balcão de atendimento" para que muitos festejassem, abrissem garrafas de espumante, pedissem ou aceitassem entrevistas, mostrando o seu agradecimento por uma medida completamente oca de sentido e de significado.

Em "conversa de café" disse já que esse balcão bem pode passar a funcionar na Câmara ou noutro qualquer edifício de serviços públicos, enquanto também eles não encerrarem, ou então até mesmo noutro qualquer escritório de serviços jurídicos (enquanto os houver) no âmbito de um acordo com o ministério da justiça, bastando para tanto ter um computador com acesso à plataforma que gere os processos judiciais.

Mas, irremediavelmente, tal decisão fecha o Tribunal, diga-se o que se disser, mesmo que, esporadicamente, por ventura, um julgamento fosse feito nestas instalações.

Vários autarcas e comunidades por esse país fora têm manifestado publicamente o seu repúdio a tal medida, anunciando iniciativas diversas contra a mesma.
 
Para nós parece estar tudo bem.


Por outro lado, se há uns anos atrás havia uns "fiscais de obras" por conta própria na vila de Castro Daire lamentando-se e criticando, algumas vezes com razão, o mau acabamento das obras de pavimentação realizadas no centro da vila, passados uns pares de anos parece que tudo acabou em bem, apesar de agora se verem ainda algumas das situações antigas por resolver e outras novas ainda piores do que as anteriores.

Mas, porque o cheiro é de primavera, não importa.

Assim, quando se faz algo não em virtude do interesse do vizinho mas apenas do próprio, como é costume dizer-se, logo que o nosso interesse esteja atendido tudo o resto pouco vale, estará bem.

Neste ambiente de contentamento Castro Daire festeja, celebra mais um dia do autarca, mas mantém estradas municipais principais com buracos e mais buracos, mantém a nacional nº 2 no lugar da Soalheira estrangulada, não faz obras que antes reclamava como prioritárias, etc, etc.


Claro que tudo isto, o que não for bom, é por culpa dos outros, dir-se-á.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Para o Pós Troika



Sem qualquer justificação digna desse nome, este governo deu início a algumas medidas apelidadas de reformas estruturais com o argumento de que eram impostas pela troika, mas vai a troika embora e só depois vem a concretização de parte dessas medidas.

Refiro-me em concreto à redução das juntas de freguesia, assim como à redução dos serviços públicos, como é exemplo o encerramento de alguns tribunais.

Sem querer manifestar uma opinião discordante por ser apenas discordante, a verdade é que nenhuma razão séria foi até hoje apresentada como justificativa de tais medidas.

No entanto, tais medidas servem para criar dificuldades às pessoas, aos cidadãos portugueses, dificultando-lhes o acesso aos serviços públicos, agravando, essencialmente, esse acesso àqueles que de menos meios dispõe já para aceder aos mesmos.

E, se a redução aleatória do número de juntas de freguesia se concretizou ainda em tempos de troika, o encerramento de alguns tribunais do interior do país foi-se arrastando e será concretizado já em tempos pós troika.

A notícia agora é de que esse encerramento se concretizará até às férias judiciais de verão, de modo a que em Setembro, na reabertura do ano judicial, já não existam os tribunais de comarca a que estamos habituados.

Sabendo, em virtude da profissão, como funcionam os tribunais, questiono-me qual a razão desta medida.

-Financeira?

-Não me parece que seja, uma vez que os processos que se preveem existir continuarão a existir, necessitando de juízes, funcionários e de espaço para serem processados.

Qualquer redução de custos que daí advenha não terá qualquer relevância seja para que efeitos for.

-Judiciária?

-Não me parece. Ouvindo a Srª ministra parece que das suas palavras resulta que apenas nos grandes centros urbanos há justiça, que apenas nos grandes tribunais os processos correm, que apenas nos grandes tribunais há juízes capazes de bem decidir e de forma rápida.

Não é verdade. Nos grandes centros urbanos é onde a justiça teima em ser mais lenta e, consequentemente, menos justa.

O país não pode ser olhado, também ao nível da justiça, apenas pelas estatísticas de Lisboa e Porto. Criar um país judiciário à semelhança de Lisboa e do Porto é um erro histórico, é um desrespeito absoluto pelas populações locais, onde não há os meios de transporte que nos grandes centros existe, inexistindo qualquer rede de transportes públicos capaz de ligar as populações das novas grandes comarcas, como nem todas as pessoas possuem transporte particular que lhes permita a mobilidade que uma qualquer grande cidade possui.

Organizar Portugal a partir de Lisboa é algo impensável para qualquer pessoa minimamente conhecedora do país e possuidora de algum bom senso.

Fechar serviços públicos apenas para agradar à troika ou a qualquer outro organismo estrangeiro é não ter capacidade para governar, pelo que o primeiro passo digno a dar deveria ser a recusa do exercício de tais funções.

O interior do país não precisa de ter os serviços públicos ao pé de casa. Mas precisa de ter serviços públicos.

Ou será que um serviço público só funciona bem quando tem filas de espera desde o dia anterior e que no momento da abertura da porta de imediato dão um número máximo de senhas para atendimento e mandam as demais pessoas embora para que voltem no dia seguinte a fim de nessa próxima vez poderem obter senha para atendimento?

Ora, das duas uma: ou o serviço é relevante e necessário e deve funcionar atempadamente, ou não é relevante e necessário e então feche-se, desburocratize-se. Simplifique-se o que não tem de ser complexo.

Mas, pelo que vamos percebendo, se um dia a presença da troika foi esperança de alguma mudança estrutural no país, durante a sua permanência muito se falou e justificou, mas pouco se mudou.