Da ignorância à
demagogia
Ano após ano,
Portugal é também sinónimo de incêndios florestais.
Incêndios que, em
face das alterações climáticas, do modo de vida da população do
interior e das políticas, ou falta delas, para o sector florestal,
estamos condenados a ter até que, num qualquer ano, mais ou menos
próximo, além da floresta, ardam também as habitações das
aldeias, das vilas e cidades, como já aconteceu este ano no Funchal.
No entanto, as
declarações dos governantes em cada ano, praticamente se repetem,
sempre no mesmo sentido, na maior parte das vezes totalmente
estonteantes, senão mesmo um disparate quando confrontadas com a
cruel realidade com que nos defrontamos todos os anos.
Na verdade, ouve-se
falar sempre como comentário de primeira linha na falta de limpeza
dos terrenos, designadamente os florestados ou tão só já de mato
e, consequentemente, a necessidade de obrigar os proprietários a
limpar, limpar, limpar, sob pena de pesadas multas e perda dos
terrenos, podendo, ainda assim, plantar eucaliptos se quiserem
rentabilizar os seus terrenos!!!
Mas a Floresta é um
bem público ou resulta tão só do agrupamento de terrenos privados
(na sua grande maioria) e, consequentemente, um bem privado?
Se o Estado pode ter
e definir áreas florestais como parques naturais nacionais em que
nada corta nem deixa cortar ou limpar, não poderão os particulares
definir os seus terrenos como tal, libertando-se também por essa via
da necessidade de limpeza?
Haverá duas
florestas diferentes em conformidade com o titular do direito de
propriedade? Em que numa é preciso limpar e noutra não?
Eu darei de bom
grado as minhas propriedades florestais ao Estado se este todos os
anos e sempre que existam ervas e matos crescidos nas mesmas proceder
de imediato à sua limpeza!
Mas a verdade é que
este tipo de declarações ministeriais, de necessidade de limpeza,
de aplicações de coimas / multas, de apropriação pública dos
terrenos não deixa de ser uma total tontaria dita por quem não
conhece a realidade, não tem uma estratégia para resolver o
problema, não sabe o que fazer, optando por dizer o que julga ser o
mais conveniente no momento.
Isto porque, em
primeiro lugar temos de saber se a Floresta é ou não um bem público
em si mesmo.
Se o é, como
entendo que seja, temos de saber quem deve promover, praticar e
custear as acções necessárias à defesa desse bem público.
E, sendo um bem
público, creio que terá de ser o Estado a assumir os custos dessa
defesa, executando acções capazes de travar a progressão
incendiária a que temos assistido.
Ou querem os
governos e os Srs ministeriáveis que seja o zé povinho, o
habitante do interior do país, cada vez mais pobre, mais velho e em
menor número, a custear do seu bolso a protecção e defesa de
um bem público?
Saberão os Srs
Ministros e ministeriáveis quanto custa anualmente manter limpo mil
metros quadrados de terreno florestal ou de mato?
Pois, é fácil
atribuir os deveres e as responsabilidades de manter esse bem público
Floresta convenientemente limpa aos outros, aos que estão no
terreno, aos que são quase todos reformados por velhice cujos
rendimentos não passam de pensões mínimas, aos que têm de pagar
IMI em alguns casos já mais elevados do que em Lisboa e arredores,
aos que já nem hospitais ou tribunais nas proximidades têm, sendo
obrigados a pagar portagens e táxis para se deslocar a qualquer
serviço público que lhe retiraram do seu município.
Mas, será que a
floresta, mesmo limpa, não arde?
Será que a floresta
eucaliptal, como já foi defendida em termos governamentais, mesmo
limpa não arde?
Não tem ardido
propriedades cultivadas com milho, centeio e vinha?
Porque avançam os
incêndios quilómetros de extensão na mesma direcção atravessando
caminhos, estradas e autoestradas?
Será que a
estratégia e medidas concretas de combate aos incêndios têm sido
as mais adequadas?
Não terá a
estratégia de defesa da floresta como Bem Público de passar por
outros caminhos, estratégias e outras atitudes?
Provado
que está que a ignição incendiária existe, que as temperaturas
altíssimas não deixarão de acontecer, que as árvores e arbustos,
mais altos ou mais baixos, verdes ou secos, ardem, parece óbvio que
é necessário compartimentar, que é necessário escolher árvores
de mais difícil combustão e, essencialmente, com menor propensão
para provocarem novos focos de incêndio pelo esvoaçar da sua
folhagem a arder, e que é necessário fazer desaparecer a
massa combustível por onde se preveja que uma frente em chamas
avance.
Ou,
será que a política Florestal em Portugal passa pelo incentivo à
florestação com eucalipto?
Não
poderão ser introduzidas outras árvores que apresentem outra
resistência às chamas diferente da do eucalipto e do pinheiro?
Porque
não é possível aos municípios manter continuadamente amplas
faixas de protecção limpas, mas já lhes será possível ficar com
as propriedades florestais a fim de as limpar?
Porque
não é possível queimar controladamente um espaço antes que uma
frente de fogo avance por esse lugar?